Meu pai me bateu três vezes quando eu era criança. Parece
pouco, mas se comparado aos meus irmãos, que nunca apanharam dele, talvez seja
possível ter uma ideia de como eu sempre fui atrevida e brigona. A ocasião que
mais ilustra isso é quando eu, por volta dos três anos, chutei meu irmão de uns
quase dois para fora do sofá. Afinal, eu queria defender meu espaço! Meu pai me
deu um tapa e eu não fugi, como fiz a vida inteira, aliás. No colégio, era
sempre aquela que fazia pergunta pra criar polêmica. Em casa, idem. Sempre
questionei tudo.
Uma pessoa próxima disse que não entende porque eu não estou
participando desses recentes protestos que acontecem no Brasil. Imagino que a
surpresa vem do fato da pessoa em questão saber o quanto eu gosto de política,
de defender direitos meus e dos meus, o quando eu odeio a injustiça. Ora, a
história de chutar meu irmão pra fora do sofá quando era tão pequena, me faz
pensar que sempre fui assim. A própria vida tratou de reforçar essa
característica. Eu poderia ir pra rua empunhando um cartaz pedindo melhores
condições de saúde, pois já tive que madrugar para conseguir marcar uma
consulta. Poderia também pedir por melhores escolas e professores, porque já
passei por inúmeras greves, porque já
sofri com professores incompetentes, que davam aula pra complementar o
orçamento, mas não amavam o que faziam. Condições de transporte, então? Quantas
vezes já mofei duas, três horas no ponto indo pra Betim, quantas vezes tive que
dormir na casa dos outros porque não tinha mais ônibus, quantas vezes cheguei
atrasada no trabalho, na faculdade, por problemas no ônibus ou no metrô? Quantas
vezes fui vítima de preconceito por ser pobre? Por morar na periferia?
Portanto, se fosse às manifestações, não falaria de coisas das quais ouvi falar.
Falaria com conhecimento de causa.
Nunca me filiei a
nenhum partido, mas sempre gostei da esquerda e, embora tenha uma grande lista
de reclamações a fazer da administração do PT de 2002 para cá, sou muito mais
orgulhosa do bem que esse governo tem feito ao povo que mais precisa, ao povo
do qual eu faço parte. Mas não é por isso que não tenho participado.
Tenho visto bastante a expressão “não me representa”,
ostentada com orgulho por muitos “ativistas”. E o motivo pelo qual me abstenho
até aqui de participar é que não me sinto representada pelo povo que vai às
ruas. Porque, vejam bem:
- Eu não acho que a Dilma esteja F*#$n%* o Brasil, como
escutei outro dia na Afonso Pena
- Eu não sou contra a copa. Nunca fui. Sou Turismóloga e
entendo que um evento dessa visibilidade vai trazer grandes benefícios para meu
país. Acho inclusive incoerentes esses protestos contra a copa, porque quando o Brasil foi anunciado como país sede, milhões e milhões de brasileiros
comemoraram o fato.
- Sou totalmente contra a corrupção. Por isso, aliás, nunca
tive carteira de estudante falsa, nunca deixei transferirem pontos para minha
carteira, nunca lesei ninguém. Entretanto, tenho excelente memória. E sei que
os líderes do movimento de agora fazem parte de uma direita que há anos vem
extraindo toda riqueza desse país, deixado os pobres na penúria, desviando
verbas, superfaturando obras, enriquecendo suas contas em paraísos fiscais,
privatizando a preço de banana nossas maiores riquezas. Não me sinto a vontade
para me juntar a eles.
- Amo a democracia, amo debater ideias, e tenho visto como
algumas minorias e grupos como sindicatos e partidos, por exemplo, tem sido hostilizados
nesses movimentos.
- Sou contra a violência. Os manifestantes, ao mesmo tempo
que pedem à polícia para não ser violenta, batem nos integrantes de partidos,
provocam a polícia, destroem o patrimônio público e privado. Outro dia, numa
página de um desses inúmeros eventos que são marcados no Facebook, um grupo
pedia a polícia para se preparar para um ataque de bolas de gude. Não foi a
Globo que falou. Foram eles mesmos. Não posso compactuar com isso.
Esses protestos parecem um emaranhado de tudo que eu disse
acima e mais um pouco. Me sinto confusa e, sobretudo, não me identifico com
esses manifestantes. Não gosto de preconceitos
e penso que não se combate o preconceito com mais preconceito. Não me sinto,
enfim, representada por esses manifestantes.
Tenho amigos que estão participando e reconheço neles uma
vontade genuína de mudar o país. Talvez, por essas pessoas, eu mude de ideia e
participe. Aliás, mudar de ideia é tudo de bom! Mas diante de tudo o que acabei
de dizer, penso que talvez seja incoerência da minha parte participar. Se o
fizer, será num movimento particular, com minhas próprias demandas, com minhas
próprias bandeiras, com a minha luta. Não sei se seria reconhecida como parte
do grupo de manifestantes, mas talvez, como brasileira, que amo ser.
Só gostaria de registrar que estou muito feliz que a política tenha tomado conta das discussões nas mesas de bar, nas academias, na Internet, nos pontos de ônibus! Orgulhosa dos brasileiros!