Meu pai é calado, mas sempre
consigo perceber sua presença em casa. Ele dá comida aos cachorros, escuta
música. Conta para minha mãe as piadas que lê no jornal. Ele compra cebolinhas
em conserva desde que descobriu que eu gosto, assim como compra frango pra
agradar ao Wendell e pão de queijo para minha mãe. Ele sempre me pede pra pagar
as contas pra ele. Sempre em cima da hora. Ele assiste calado aos jogos de
futebol: se o time dele ganhar ou perder, não importa: meu pai fica caladinho.
Meu pai tosse muito de manhã e eu escuto do meu quarto. Ele toma remédio todo
dia antes de ir dormir. Eu odeio, mas ele fuma escondido. Eu amo chegar em casa
e ver ele no sofá assistindo TV. Eu amo ouvir ele contando piadas. Sinto toda
ternura do mundo olhando para meu pai.
Minha mãe faz qualquer comida ficar
gostosa, até com cebola. Ela sempre entra no meu quarto e diz que tenho que
abrir a janela, pra renovar o ar. Minha mãe sempre me interrompe quando estou assistindo
filme e não entendo porque isso me irrita. Eu quase não a vejo durante semana.
Quando chego, ela já foi dormir, saio antes de ela se levantar. Mas sempre tem
um bilhetinho, dizendo que tem salada na geladeira, que minha marmita é a de
tampa verde, que me ama. Minha mãe sempre implica com a minha roupa, mas sempre
fala bem de mim pras amigas dela. Minha mãe sempre me fala a coisa certa, na
hora certa. Quando eu to chorando, ela sabe o porquê, mesmo que eu não fale
nada. Minha mãe mima mais o Frejat (o gato) do que a mim. Minha mãe fica cantarolando
as músicas que eu estou ouvindo. Minha mãe conversa horas no telefone, sempre
dando conselho pra todo mundo. Minha mãe fica irritada quando eu digo que ela
prefere o Chris. Eu sei que ela me ama igual – e ao Wendell também, mas acho
divertido deixar ela nervosa. Minha mãe é a mulher da minha vida.
O Wendell fica só no quarto dele,
conversando com mil amigos na Internet. Acho que ele é popular e querido. Não é
para menos, afinal, sempre soube que ele era um homem bom. Às vezes, quero
dormir e ele está conversando na Internet e eu não consigo. Ele sai do quarto
só pra fazer comida. Sempre um prato diferente. Quase sempre fica bom. Digo
quase porque ele não gosta muito de sal, como eu. O Wendell é romântico como a
irmã. E tem fases de músicas: Milton, Clara Nunes, Legião. No quarto dele tem
mais livro que no meu. E pensar que eu dava dicas de livros pra ele. Ele me
odeia por não gostar dos cachorros, mas sempre me ajuda quando preciso. Ele
também sabe quando tô triste e tem um jeito pra me consolar. Ele escuta minhas
confissões amorosas (ou não!) e conta pra mãe. Eu nunca aprendo. Ele sempre
está no banheiro quando quero tomar banho. Ele sempre coloca cebola na comida quando
não quer dividir comigo. Ele sempre leva as coisas que eu esqueço até o ponto
de ônibus. Quando já me deitei, chamo-o pra apagar a luz pra mim. Ele morre de
raiva disso, mas sempre faz. Ele é minha versão masculina, mais nova. Me vejo
olhando pra ele.
O Chris tem um nome difícil. Pra
mim, ele é só Chris, meu companheiro de infância, de histórias alegres e
tristes. O Chris, desde o casamento, é uma ausência presente. Quando tem a comida
que ele gosta, quando tem que consertar as coisas, quando passa o Cruzeiro na
televisão, nos álbuns de nós dois pequenininhos. O Chris é uma ausência que
dói. O Chris é uma alegria quando vem em casa.
Agora, prestes a sair daqui, não
consigo imaginar como fazer sem eles.
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