Trabalhar naquela agência de viagem
era necessário. Após decidir viver naquela cidade, longe da família, precisava
encontrar meios para cuidar de si sozinha. Aquele não era o trabalho que
sonhara desde menina, tampouco era o que ela gostaria de fazer pelo resto da
vida, Entretanto, enquanto estava lá, tratava de dar o mais encantador dos
sorrisos para os clientes, mesmo por telefone. Fantasiava os motivos que os
levavam a viajar e acreditava que de alguma forma, seu trabalho contribuía para
um mundo mais feliz e bonito.
Jurou para si que as horas que
passasse fora do trabalho seriam gastas com o que ela mais amava. Assim, ia
frequentemente ao cinema, cozinhava suas comidas preferidas, enquanto ouvia
jazz ou Chico Buarque, escrevia estórias, caminhava e saía com as amigas. À
noite, deitava-se e abria um livro, que comprara na última viagem, com o
pretexto de se distrair enquanto esperava pelo embarque. “Esse”, jurava, “esse
eu vou terminar...”. A verdade é que andava muito cansada e não conseguia
terminar de ler os livros, embora amasse comprá-los. Logo a leitura lhe trazia
uma lembrança de sua própria vida, ou de outrem, e começava a divagar, em
instantes percebia que não conseguiria ler mais aquela noite. Dormia.
Quando o despertador teimava em
tocar, despertando-a de seus sonhos, respirava profundamente antes de levantar.
Escolhia a roupa, colocava o lanche na bolsa. Se maquiava e passava o perfume.
Tinha quatro, mas o Versace era o predileto. Ia para o trabalho, onde dera a
sorte de fazer grandes amizades. A hora do almoço era sempre a mais divertida.
Sempre haviam histórias a contar e a ouvir. Ia com as amigas a um restaurante
natural não longe dali, onde, todas, em dieta, podiam se regalar.
Naquele dia estava cheia de
trabalho. A agência havia implantando recentemente um sistema on-line, que
permitia aos clientes montar suas viagens pela internet, com assessoria de
consultoras, como ela. Malásia, Paris, São Luis, Nova York: Sempre brincava de
imaginar quem estava por trás daquelas diversas solicitações. Quando o cliente
tinha que ir à agência, pra assinar o contrato ou resolver alguma pendência, conferia
para saber se acertara. E era boa nisso! Sorriu ao se deparar com uma
solicitação de turismo de aventura para Paraty: era sua cidade preferida, sua
especialidade. Prepararia com carinho aquela viagem. O perfil do cliente era
interessante: homem, solteiro, há muito tempo não tirava férias. Montou o
pacote, enviou para ele. Se surpreendeu quando e resposta veio rapidamente: ele
estava inseguro com a compra pela internet, preferia acertar pessoalmente. “Tudo
bem”, respondeu. “O senhor pode passar aqui à tarde, que já estarei com tudo
pronto para ajudá-lo. Anote o endereço por favor”.
Olhou para o relógio vermelho sobre
a mesa: Se distraíra e quase perdera a hora do almoço com as amigas. Uma delas
estava especialmente agitada naquele dia, pois havia conhecido o homem de seus
sonhos na noite anterior. Ela sorria animadamente. Não era a primeira vez que
sua amiga conhecia o homem dos sonhos. Saindo do elevador, reparou que na loja
de joias estava, como sempre, aquele homem do olhar terno. Tinha vontade de
conversar com ele. Seu olhar revelava uma alma cheia de sonhos, de estórias, de
lirismo e paixão. Ele sempre estava ali naquele horário. Ela ficava feliz.
Sentia-se bem de olhar para ele. Sorria com os olhos. “Se ele pelo menos
trabalhasse numa loja de livros...” pensava, “mas para joias eu não tenho
dinheiro, se não, iria até lá: só para falar com ele”. Naquela tarde seus olhos
pareciam brilhar mais intensamente. “Estou ficando louca”, pensou, e se distraiu
novamente com a amiga e seu homem dos sonhos... Às cinco tinha que que atender
ao cliente que ia para Paraty. Pensou na viagem. Por um instante, se imaginou
com o homem da loja de joias, sentada no cais do porto de Paraty, seu lugar
preferido no mundo. “É... devo mesmo estar louca. Preciso trabalhar...”
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