quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Voltei. Tava com Saudade.



Hoje eu voltei. Voltei porque senti saudade. Saudade do tempo que eu podia chorar no seu ombro as minhas mágoas, filosofar minhas ideias loucas e ouvir seu consentimento silencioso. Senti saudade de quando eu podia abrir a porta, ficar descalça, sentar no chão e ser eu: sem compromisso de mostrar o que sei, o que não sei, os lugares que já conheci, os livros que já li. Simplesmente rir despretensiosamente das coisas bobas do dia, sem ter que mostrar o quão culta eu sou, ou deveria, ou não, sem precisar falar de política ou não falar, sem pensar no aquecimento global ou na paz mundial, nem mesmo no mapa da fome.
Senti saudade de você e por isso eu vim: pra te dizer que só você entende minhas loucuras, me escuta sem julgar, me deixa respirar. Quando estou aqui, é como se estivesse boiando de costas numa imensa piscina, num dia de sol. Quando estou aqui sou leve, porque entrego para você todo aquele peso ruim do dia a dia.
Você me pergunta o que tenho feito, porque sumi. Eu estava por aí sendo aluna, funcionária, estava amando, ouvindo, curtindo música boa, bebendo, sofrendo, pagando contas, admirando o céu. Já disse pra você o quando gosto de admirar o céu? E o contraste das folhas com o céu azul num dia de outono? Lindo demais. Sei que no meio de tanta coisa, tanto papel pra desempenhar, bem que me peguei olhando o céu, de dia, de noite, mais de uma vez. Ainda bem. Aquilo de dizer que o céu pode nos salvar é mais que uma metáfora. Olhar o céu de vez em quando pode devolver aquele quê de poesia que a gente vai perdendo no dia a dia.
Mas então é isso: voltei pra dizer que senti sua falta, porque quando estou aqui, sou eu e mais ninguém. Digo o que dá na telha pra você. É enraçado que você pode contar pra todo mundo, se quiser, mas eu não ligo, penso em como é difícil ser a gente às vezes e que você contar pra todo mundo pode até facilitar o processo. Vai que alguém goste da “Eu”, que você está contando? Seria legal. Agora já vou indo pra mais uma tarefa. Espero não sumir por tanto tempo e se sumir, sei que na volta você ainda vai me receber de portas, ou algoritmos, ou pixels, abertos, por isso que eu adoro estar aqui com você, meu blog!

quinta-feira, 27 de março de 2014

Espelhos ou Mares?


Num sobressalto, Beatriz entrou no prédio da médica. Havia planejado mentalmente tudo que iria perguntar à doutora, uma mulher de meia idade, elegante, que sempre inspirou sua confiança e admiração, embora envolta em uma aura séria, quase sisuda, diria. Precisava criar coragem para fazer as perguntas. Coisas do seu mundo particular, que não dizia nem para o espelho. Espelho?
Entrou no elevador. Olhou para o espelho, para a câmera acima da porta, e para o espelho novamente. Adorava os espelhos grandes e claros dos elevadores: podia ajeitar os cabelos, reparar cada manchinha do rosto, ver se o batom estava precisando de retoque. O elevador estava vazio, então, seria uma excelente oportunidade para aproveitar o espelho sozinha, sem ninguém pra julgar seu impulso feminino vaidoso. Mas havia a câmera, pensou, sempre há câmeras ultimamente. Onde quer que se vá. Deu as costas para a câmera e ficou ser olhando, ajeitando os cabelos à maneira que gostava. E enquanto subia, ficou imaginado se poderiam lhe ver através do espelho, por uma câmera secreta que instalaram para observar garotas desavisadas que gostam de se olhar nos grandes e claros espelhos de  elevador. Hoje tem câmera em todos os lugares. Beatriz ficava assustada com aquilo. Sentia-se vigiada. E não eram só as câmeras : a pouco tempo, descobrira na escola que os carrinhos de supermercado possuem sensores que monitoram os trajetos dos clientes nas lojas. Logo ela, que dava mil voltas até achar a uva passa, e depois o pão , e a pasta de dentes. Na Internet, anúncios de coisas que ela queria comprar a perseguiam em todos os sites: como eles podiam saber? Até no e-mail, se recebia uma mensagem sobre academia, logo anúncios sobre vida saudável começavam a brotar na tela. No rádio do celular, surgiam anúncios de estabelecimentos dos quais ela estava próxima. Será que não consigo ficar sozinha? Pensava.
Isso para não falar das redes sociais modernas. Já havia feito greve, prometera ficar uma semana sem acessar, mas não conseguiu. Depois, mais razoável, prometeu acessar, mas sem interagir: nada. Jurou não falar de sua vida, não postar fotos, mas não resistia. Queria mostrar para todos como sua vida era legal, como era feliz e bem resolvida. Não era? Todos ali eram assim. Sabiam tudo de sua vida pelo Facebook. Ela, por sua vez, descobria o que quisesse sobre quem quisesse.
Pensou em 1984, um de seus livros favoritos, onde os cidadãos de uma Londres fictícia eram vigiados até quando dormiam, controlados sobre o que comiam, que exercícios praticavam, o que liam e até as pessoas que amavam. O mundo não estava assim atualmente? O que era segredo? Há quanto tempo não recebia uma ligação de um amigo ansioso por notícias dela? Há quanto tempo não fazia uma ligação desse tipo? Tinha saudade do mistério, tinha saudade de sentir saudades, de ter segredos...
Às vezes tinha vontade de desaparecer do mundo virtual, como as pessoas sumiam em 1984. Fantasiava se continuaria a existir se sumisse do mundo virtual. Pensava sobre em que medida o mundo virtual era também real.
Mas... Como assim? Em 1984 o personagem principal diz relutante, que sua história e sua intimidade estão vivas e seguras em sua memória. Será mesmo assim? Na sala de espera, ainda pensando nessas coisas, lembrou-se das perguntas que faria à médica. Sim: havia um lugar que só ela conhecia, onde podia pensar o que quisesse, gostar, odiar, sentir medo, chorar, sonhar, desejar, ter ideias mirabolantes, podia ser e fazer o que quisesse, mas não era nada demais, nem de menos, nesse lugar ela era apenas ela, sem ter que dar satisfação pra ninguém, sem precisar fazer check-in. A esse lugar, onde nenhuma câmera pode acessar, muito poucos seriam convidados a conhecer. Mas não se importava com isso: sempre soube que quantidade não queria dizer qualidade e que a maioria das pessoas ficaria satisfeita com as fotos e frases de efeito postadas a cântaros nas timelines, com as imagens refletidas em espelhos grandes e claros dos elevadores. Dessas pessoas, ela queria correr.
Sabia que quem realmente importava, assim como ela, não se contentava com as superfícies lisas e espelhadas, mas preferiam as profundezas, por mais escuras, incertas e desafiadoras que elas fossem.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ele



“A falta de paciência hoje é a saudade de amanhã”, dizia um texto do Frederico Elboni, no blog “Entenda os Homens”, que eu acompanho há um tempo. O texto falava sobre compreender e tocava, como exemplo, no relacionamento entre pais e filhos, especialmente aquele tipo de pai que pouco se expressa com o filho, que pouco diz, que pouco abraça. Sei que o texto não dizia só disso, mas essa parte me tocou especialmente, porque meu pai é assim. Me deu uma vontade de sair correndo e dar um abraço nele!
Meu pai é o homem da minha vida. Sempre foi: quando eu era criança, lembro dele dançando música lenta comigo na sala. Engraçado, naquela época, eu não imaginava que no futuro ia me apaixonar com o bolero e dançá-lo melhor que todos os outros ritmos. Aquela dança com meu pai era mágica! Eu me sentia isolada do resto do mundo dançando com ele, dura, feliz, plenamente realizada. Eu queria que o mundo acabasse ali.



Lembro de sentar no colo dele, até depois de grande (ou velha, já que nunca fui grande “anatomicamente”). Meus irmãos sentiam ciúme. Era como se eu, mais que eles, conseguisse me aproximar mais, e talvez até transpor aquela barreira que a timidez, ou a falta de jeito, ou a rotina, havia criado entre nós e nosso pai. Sentar no colo dele era tudo pra mim! Naquele instante, eu era a pessoa mais amada do mundo. E eu, que conheceria tantos lugares, não queria sair daquele – o colo do mau pai – nunca mais na vida!
Levar o prato dele vazio para a cozinha, fazer almoço pra ele, ser acordada pelo pé todas as manhãs: Detalhes da nossa rotina passada que hoje me fazem sentir tanta saudade. Não sei se foi o trabalho, a universidade, a mudança de cidade, os namoros: hoje não é mais assim. Eu continuo amando e querendo todas essas coisas que eu contei. Tenho certeza que ele continua me amando mais que a maioria das coisas da vida.
Vamos no carro, ele me levando pra algum lugar para o qual estou atrasada. Vou calada. Quero dizer algo, mas eu, tão falante, não consigo pensar em nada propício para furar aquele silêncio. O mesmo que durante as brigas homéricas com a minha mãe permeava o olhar cúmplice e compreensivo que ele me dava. O olhar mais terno do mundo, que sempre me dava certeza que o amor existia. Que sem dizer nada, me curava de qualquer dor que estivesse sentindo, que me fazia acreditar no futuro, nas pessoas, na família.
Momentos com mau pai são cada vez mais raros. Outro dia, eu estava lá no meu quarto, assistindo um filme quando minha mãe vem e diz que ele está me chamando. Droga! O que será que ele quer? Vou ter que interromper o filme. Ele quer que eu coloque a TV dublada (ele acha que eu sei tudo sobre controles remotos, computadores e qualquer coisa que ligue na tomada ou tenha bateria recarregável). Depois de penar um pouco, consigo o que ele queria. Ele fica feliz. E eu, agora lendo o texto do Fred Elboni, e refletindo sobre tudo isso, senti vergonha da minha falta de paciência, que agora é saudade, do homem da minha vida. Mandei um SMS. Assim que puder, vou lá abraçá-lo. Faça o mesmo pra quem você ama, e anda distante ultimamente.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

“Pés no chão, cabeça nas nuvens, olhos no Horizonte”


Noite de Domingo. Embora domingos fossem, normalmente, improdutivos, estava particularmente satisfeita àquela noite.  Havia realizado tudo o que planejara: os estudos, o tempo com a família, as unhas vermelhas, o ócio. Tudo havia ocorrido da maneira que a deixara orgulhosa. Terminara as unhas aquele instante, quando tocava A Long and Winding Road*, uma de suas preferidas, da sua banda preferida. Precisava esperar o esmalte secar. Foi a até a janela. A janela era o que mais gostava naquela apartamento: Grande, ocupando toda uma parede, dava para parte da Serra que cercava parte daquela cidade. Viu as luzes da cidade. Desde menina, aquelas luzes a fascinavam. Gostava de pensar que eram estrelas. Essa pensamento a distraía. A voz suave do Paul, a letra da música, o ventinho batendo no rosto, faziam pensar.

Havia vivido tanta coisa, pra estar ali, agora... Poucos seriam testemunhas. Quanto esforço, sofrimento, quantas alegrias e sucessos! Desde que decidira sair daquela cidade, distante quarenta quilômetros, para alcançar um sonho. Não sair para morar, no início, mas sair para ser grande. Ela, do alto de seus um metro e sessenta, queria conhecer e conquistar o mundo! E hoje, ali naquela janela, naquela agradável noite de verão, percebeu que conseguiu. Conheceu mais lugares que seus pais jamais imaginaram, que sua avó, atrevida como ela, certamente havia almejado. Viu Paris ao amanhecer, ao entardecer, viu o sol se por sobre o Rio Tâmisa, estudou, conheceu gente, foi, mais de uma vez, assistir ao vivo seu ídolo Paul, trabalhava na profissão que escolheu, tinha a família mais abençoada e amorosa – naquele mesmo dia, seu pai havia comprado leite desnatado só pra agradá-la. Agora, era morava ali, naquele apartamento de grandes janelas, olhando para a Serra, perto de seu trabalho. Não havia então, conquistado o que sonhou? Certamente que havia.

E ainda há muito a conquistar, pensou. Uma invertida sobre a cabeça sem ajuda da parede é uma delas, sucesos na pós graduação, pela qual era apaixonada, melhorar o mundo com seu trabalho. Beatriz sentia que havia ainda uma longa estrada a percorrer. Mas, naquele instante, limitou-se a dizer: Obrigada, meu Deus.

E foi cuidar de outras coisas. Afinal, não conseguia mesmo ficar muito tempo parada. Havia terras e pessoas a conquistar, amigos e pais para cuidar, céus para voar. Isso, sim, Beatriz tinha certeza, fazia seu coração bater e desejar viver, mais e mais.

* A Long and Winding Road – The Beatles – disco Let it Be, 1970

Voltei. Tava com Saudade.

Hoje eu voltei. Voltei porque senti saudade. Saudade do tempo que eu podia chorar no seu ombro as minhas mágoas, filosofar minhas ide...