Ao acordar, teve a sensação que o dia lhe reservava algo diferente. Com aquela sensação foi para o trabalho, onde nada demais aconteceu. Vez por outra, entrava na internet e não via nada de interessante, estava inquieta, procurava algo, mas não sabia o quê. Seu coração estava apertado, como confidenciou a uma amiga, mas não sabia explicar. Um cinema depois do trabalho? Talvez fosse bom para relaxar. Ou não seria melhor ir para casa se esconder do frio e do mundo embaixo das cobertas? Acabou por decidir pelo cinema, mas o filme escolhido, mesmo sendo ótimo, só fez aumentar aquela melancolia.
Tivera uma semana difícil, em crise com a idade, com a profissão, a conta bancária. Olhava para o espelho sem saber se poderia se orgulhar daquela imagem refletida. Os anos passaram, amigos vieram e foram embora, viajou, sorriu, chorou, tomou sex on the beach e comeu gorgonzola, aprendeu, esqueceu. Ao olhar para o espelho, vê em cada expressão todas essas histórias registradas. Sabe que tem algum valor, mas nesses dias chuvosos, fica difícil defender esse valor perante um mundo que outrora lindo e cheio de oportunidades, parece agora assustador, predador. Está refugiada em si mesma, olha para fora e sabe que precisa sair, mas não sabe se conseguirá. Já disseram para ela, não poucas vezes, como ela é forte. A Bíblia, livro no qual tem sua vida embasada, de onde também recebeu muitas promessas, também diz para ela ser forte.
À saída do cinema, um imenso mural, onde as pessoas têm afixado seus pedidos para o Papai Noel, até o Natal, a detém por um instante. Começa a ler os pedidos das pessoas: “Eu quero passar na UFMG”, “eu quero ser um bom advogado”, “quero saúde e paz para o mundo”, “quero uma piscina de vodca”, “quero Fulano”, “eu quero um carro novo”, acha graça de uns pedidos, se emociona com outros. De alguma forma, aqueles pedidos a fizeram perceber, ou relembrar, que cada um tem sua história, nem melhor, nem pior, apenas diferente. Cada um está correndo para alcançar aquilo que valoriza e que ela precisa fazer o mesmo. Onde esse caminho vai dar? Ainda não sabe. Tampouco sabe o quanto sofrerá ainda antes de dizer que está satisfeita. Mas sabe que nada mudará enquanto ficar ali, dentro de si. Por isso, resolve sair.
Vê que o caminho é duro de fato, mas não é impossível de ser trilhado. Tantos outros já conseguiram! Aquele aperto no coração do início do dia continua. Mas ela decidiu usá-lo como força motriz até que encontre o que está procurando. Sabe que estar insatisfeito é um bom começo para ir em direção do que realmente vale a pena. E é isso que ela vai fazer.